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[20h35 - 04.11.2010]

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Narrativa Ainda Sem Titulo #1

Hora e Dia do Duche: Mensagem de Fora da Casa de Banho

Não sou de lado nenhum.

Nunca me sinto em casa, encaro cada passo que dou como mais uma viagem.
A cama, a almofada, os lençóis são provisórios. Também a morada o é.
Serão somente meus enquanto lhes apreciar o cheiro, o detalhe no vinco, a curvatura engraçada na árvore que avisto pela janela do quarto.

Também eu me sinto provisória.
Um naco de carne que quer ser mais que o consolo de um esfomeado. Que se guarda, mas que não resiste a dar-se a uma trinca por parte do guloso que, mais que pela fome, a prova pelo prazer.
Um naco de carne que gosta de ser desejado, mas que só se deixa consumir por quem disso sabe desfrutar.
E um naco de carne que nunca se entrega na totalidade, em detrimento da conservação de uma existência própria.

Sei que é hora de ir embora quando não há mais novidade.
Quando o cheiro não me fascinar mais, quando a árvore se tornar banal aos meus olhos, quando o corpo que dormita sobre os lençóis deixar de sentir a gula e simplesmente voltar a ter fome.

Sou descrente da humanidade.
Os homens são todos iguais, as mulheres são todas iguais. As vontades são todas iguais. E reprimidas.
Salvam-se as crianças enquanto a educação dos adultos não lhes toldar os ideais.

Fascinam-me as crianças.
Fascina-me o riso fácil e o choro fácil, os olhinhos brilhantes com segundas intenções por trás, as manhas para alcançar o que querem, as mentirinhas para saírem impunes.
Fascinam-me as crianças e a felicidade que as toma enquanto os grandes não lhes deitam a mão.
Fascinam-me as crianças que ainda são suficientemente puras para não terem uma moralidade de certo ou errado, que simplesmente se regem pelo gosto e não gosto, pelo quero e não quero.

Desprezo tudo o resto na nossa raça.
Não gosto das mulheres que me puxam, que me tentam tornar aceitável, correcta, respeitável, num clone reprimido dos seres reprimidos que são, entre a aparência dos vestidos e os sonhos esquecidos, as vontades que ignoram em detrimento da rotina de uma senhora.
Não gosto dos homens que me olham, que me estranham e vêm alimento em mim, que investem com a segurança de um caçador quando facilmente se podem tornar a presa. Os homens que acreditam enganar a mulher com quem se passeiam pelas ruas, mulher essa que sabe, mas ignora.

Não gosto particularmente dos homens que se arriscam com gosto.
Aqueles que fazem com que a caça pareça boa. Tão boa, que por momentos acredito que quero ser caçada.
Não gosto dos homens por quem me deixo agarrar, não gosto dos homens a quem permito que me envolvam nos seus braços, não gosto dos homens que me olham e me fazem ceder a mais um toque, um roçar de corpos, uma trinca.

E novamente me sinto um naco de carne.
Não gosto dos homens que me fazem sentir como um naco de carne.

3 comentários:

  1. Podia escrever um grande comentário a falar sobre tudo em que este teu texto me fez pensar. Mas fico-me por dizer que gostei e que me identifico com ele.

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  2. Bem, estou a gostar desta tua nova veia! Dá-nos mais disto sff! =)

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  3. Gostei bastante dessa tua abordagem à condição humana. Também me sinto um pouco assim, especialmente o de não ser de lado nenhum, nem ter grande fé nas pessoas. De nã gostar de distinções entre homens e mulheres, que no fundo são bem mais iguais do que às vezes por inocência ou ignorância se quer fazer crer.

    Que o chuveiro continue a proporcionar lúcidas reflexões.

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